Por que a decisão do Alabama em colocar o embrião como uma vida com direitos e deveres deve ser contestada?

Por Edson Borges Jr.*

Nos últimos dias, a sociedade assistiu a um episódio que colocou o mercado de reprodução assistida ao redor do mundo em estado de alerta. A Corte Suprema do Estado do Alabama, nos Estados Unidos, declarou que, a partir de agora, um óvulo fertilizado – ou seja, um embrião – deve ser tratado como uma criança ou feto em gestação no útero, tendo os mesmos direitos e deveres de um cidadão.

O que está por trás dessa decisão é a definição sobre o que é vida, onde ela começa. Na literatura, temos mais de 12 explicações diferentes sobre isso e quase todas elas têm um cunho religioso. Por exemplo, na visão do islamismo, a vida ganha forma aos 120 dias, “quando a alma é soprada por alá”.

Acredito que, antes de qualquer coisa, vale fazer uma reflexão sobre esse assunto. Qual é o conceito, de fato, que determina a vida em termos legais? O embrião é considerado uma vida, mas existem várias gradualidades de classificação. Sob o ponto de vista ético e médico, um embrião tem um “valor” menor do que um feto que está em desenvolvimento no útero ou um bebê já nascido.

No Brasil, o Código Civil Brasileiro, após as alterações sofridas, deixa claro que o embrião não tem os direitos e deveres de um ser humano. Ou seja, o casal ou o indivíduo para qual o embrião foi gerado, decide o que será feito com ele: congelado, descartado ou utilizado para pesquisas médicas.

Podemos considerar essa decisão da corte do Alabama como um retrocesso, porque acontece em um momento no qual o mercado de reprodução assistida vem avançando significativamente sob o ponto de vista tecnológico, oferecendo cada vez mais alternativas éticas e eficazes de tratamento, além de acesso democratizado, para ajudar a sanar o problema da infertilidade que assola o mundo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 17,5% da população adulta – 1 em cada 6 pessoas no mundo – sofre dessa doença.

Na ótica de mercado, é um setor em ampla expansão, tendo o Brasil como líder no ranking de fertilização in vitro (FIV), inseminação artificial e transferência de embriões. Além disso, o país concentra 40% de todos os centros de reprodução assistida da América Latina. Em números, localmente movimenta R$ 1,3 bilhão e tem perspectivas de atingir pouco mais de R$ 3 bilhões no médio prazo. E ainda tem perspectivas de crescer, em média, 23% até 2026, de acordo com uma pesquisa feita pela Redirection International.

Se decisões como a adotada pelo estado do Alabama – considerado um dos redutos mais conservadores dos Estados Unidos – se alastrarem pelo mundo, teremos sérios problemas sob diversos pontos de vista. No social, teremos muitos sonhos de constituir uma família destruídos, alterando o bem-estar emocional das pessoas. Quantas crianças deixarão de nascer por causa desse tipo de postura?

A Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) já se manifestou totalmente contrária a esta decisão, demonstrando, como nós, a grande preocupação com este tema.

Além disso, teremos muitas clínicas de reprodução assistida fechando suas portas. Quem vai querer correr o risco de sofrer processos criminais ou civis se houver algum problema com a manipulação de um embrião? Isso será considerado um “embrionicídio”?

A atitude tomada pela corte do Alabama ainda vai gerar muitas discussões importantes sobre o tema, levando em conta aspectos jurídicos, religiosos, éticos e sociais. Enquanto médicos, não está nas nossas mãos definir qual é o momento em que uma vida ganha forma. Hoje já temos mais de 10 milhões de seres humanos gerados via reprodução assistida!

Vejo tudo isso com tristeza e preocupação. Espero que o mundo consiga refletir com clareza e bom-senso, evitando decisões radicais como essa, colocando em jogo tudo o que avançamos até aqui e trazendo sofrimento para as pessoas.

*Edson Borges Jr. é Diretor Médico do FERTGROUP e Diretor Científico do Instituto Sapientiae e do Centro de Estudos e Pesquisa em Reprodução Assistida

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